18/04/2019 às 11:38, atualizado em 19/07/2019 às 16:05

Uma cidade sonhada por dois séculos

A transferência para o interior do país é defendida desde o período colonial. A construção de uma nova capital, porém, passou por vontades políticas distintas, muitas mudanças de governo até se transformar em realidade com Juscelino Kubitschek

Por Gizella Rodrigues, da Agência Brasília

Comissão Cruls, formada por 22 expedicionários, passou sete meses no Planalto Central e delimitou o quadrilátero de 14.400 km² para o Distrito Federal Foto: Arquivo Público do DF

“Estava tudo pronto para começar a construir a capital, mas o governo de Floriano Peixoto chegou ao fim e seu sucessor, Prudente de Morais, paulista, não queria a mudança da capital, como seus conterrâneos”, lembra o historiador. “Propuseram a reforma do Rio de Janeiro, Prudente de Moraes cortou as verbas da comissão de estudos da nova capital e a ideia morreu por aí”, explica Elias Manoel.

Mais cem anos se passaram até que, no Centenário da Independência, em 1922, deputados mudancistas voltaram a falar da transferência da capital. Eles defendiam que as ideias da Constituição fossem resgatadas e fizeram um projeto de lei para que uma pedra fundamental fosse colocada dentro do quadrilátero reservado ao futuro Distrito Federal. No dia 7 de setembro de 1922, ao meio dia, a pedra fundamental da nova capital é assentada próximo a Planaltina – um marco para a concretização das aspirações para a interiorização da capital.

A Constituição de 1934 volta a prever a transferência para o ponto central do Brasil, mas apenas em 1946, com a quarta Constituição Republicana, a lei volta a representar ação prática para a mudança: o presidente Eurico Dutra nomeia um novo grupo técnico para realizar estudos de localização. Liderada por Djalma Polli Coelho, a comissão indica o mesmo território apontado por Luiz Cruls.

O relatório da comissão Djalma Polli é enviado ao Congresso Nacional em 1948, mas só é aprovado em 1953. Um projeto de lei autoriza o governo a definir o sítio da nova capital e Getúlio Vargas cria uma Comissão de Planejamento da Mudança da Capital Federal. Um ano depois, com assessoria de empresas de foto análise e foto interpretação, a delegação indica os cinco melhores sítios para ser construída a nova capital e o governo enfim escolhe o Sítio Castanho como local exato para a construção da nova capital.

JK

Neste momento, a história da transferência cruza-se com a de Juscelino Kubitschek, então candidato à Presidência da República. Em 4 de abril de 1955, em um comício na cidade de Jataí (GO), JK é questionado se cumpriria a Constituição e faria a transferência da capital caso fosse eleito. “Quero confessar que até aquele instante não havia fixado, com a devida atenção, o problema da mudança. Mas tive que responder de pronto à pergunta”, escreveu Juscelino mais tardeCom a eleição de JK, a construção da capital começa a se tornar realidade. Em setembro de 1956, é sancionada a lei que criou a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) e deu o nome de Brasília à capital. As obras começaram em outubro daquele ano e, depois de três anos e meio, Brasília é inaugurada em uma festa que durou quase dois dias.

    As obras de Brasília começaram em outubro de 1956 e ficaram prontas depois de três anos e meio Foto: Arquivo Público do DF

“São dois séculos de história, mas faltou vontade política em outros momentos e um cara ousado como foi JK”, afirma Elias Manoel. “Mas Juscelino só pôde construir a capital em um único governo porque, quando assume a presidência, o Distrito Federal já está delimitado, o local escolhido e desapropriado. Todos os trabalhos da comissão foram passados para a Novacap”, opina o historiador.

Sonho de Dom Bosco

Entre os graus 15 e 20 havia uma enseada bastante longa e bastante larga, que partia de um ponto onde se formava um lago. Disse, então, uma voz repetidamente: – Quando se vierem a escavar as minas escondidas no meio destes montes, aparecerá aqui a terra prometida, de onde jorrará leite e mel. Será uma riqueza inconcebívelDom Boscocentro

Os livros de história contam que a fundação de Brasília teria sido até mesmo profetizada por um santo. Em 1883, Dom Bosco, santo italiano fundador da Congregação dos Salesianos, teria sonhado que fazia uma viagem à América do Sul e viu um local especial ao chegar à região entre os paralelos 15° e 20°, onde, nas palavras de um anjo que o acompanhava em sua visão, apareceria “a terra prometida” e que seria “uma riqueza inconcebível”.

A visão acabou sendo interpretada como uma premonição do local em que deveria ser construída a nova capital do Brasil. Mas Dom Bosco nunca viajou à América do Sul e historiadores afirmam tratar-se de uma manobra política criada por parlamentares mudancistas goianos para assegurar a construção da Capital Federal no Planalto Central brasileiro. O episódio é até apelidado de “Operação Dom Bosco” pelo jornalista e historiador Jarbas Silva Marques.

“O sonho existiu, mas foi usado na década de 50 pelos goianos para justificar a construção de Brasília. Eles foram muito espertos, ressignificaram o sonho para dizer que até Deus queria Brasília. Havia uma forte oposição contra a mudança da capital, mas o povo brasileiro é muito religioso”, afirma o historiador Elias Manoel da Silva. Para a arquiteta Angelina Nardelli Quaglia, que estuda a história de Brasília há 14 anos, o sonho de Dom Bosco acabou se transformando em uma “simpática lenda”. “Alguns estudiosos atuais dizem que foi uma manipulação do sonho para fazer as pessoas acreditarem que aqui era um lugar prometido. Na época havia a necessidade de se criar essa comoção nacional, foi uma forma de convencer as pessoas”, acredita.