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16/05/2019 às 16:50, atualizado em 19/07/2019 às 16:06
Lucio Costa trouxe para a capital conceitos inovadores que deram qualidade de vida aos moradores e fizeram Brasília ser triplamente reconhecida enquanto patrimônio cultural
Na extremidade leste do Eixo Monumental, está a Praça dos Três Poderes, contrariando o posicionamento mais central das praças em outras cidades. Na convergência dos dois eixos está a Rodoviária, “uma grande plataforma liberta do tráfego que não se destine ao estacionamento”, explica o Relatório. “Lucio Costa traz para o centro o cotidiano da cidade. Ele põe de um lado os ministérios e o Congresso Nacional, cuja melhor vista é da plataforma da Rodoviária. Do outro lado, ele coloca a Torre de TV, os edifícios que completam a escala monumental e na ponta coloca a Rodoferroviária. O sol nascendo atrás do Congresso e se pondo no Parque Nacional”, afirma Cláudia Garcia, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB).
No Eixo Rodoviário, ele distribuiu uniformemente o conjunto residencial de Brasília: 16 quadras do lado norte e 16 quadras do lado sul. E aplicou princípios da técnica rodoviária à técnica urbanística, “inclusive a eliminação de cruzamentos conferindo-se ao eixo arqueado a função circulatória tronco, com pistas centrais de velocidade e pistas laterais para o tráfego local”, relatou Lucio Costa. O urbanista também criou as tesourinhas para os carros circularem pela cidade no sentido leste/oeste, também sem cruzamentos para garantir a fluidez do trânsito.
Especialistas apontam que a grande contribuição de Lucio Costa ao urbanismo mundial está no projeto das superquadras, que criou uma nova forma de se viver em apartamento. “Quanto ao problema residencial, ocorreu a solução de criar-se uma sequência contínua de grandes quadras dispostas de ambos os lados da faixa rodoviária e emolduradas por uma larga cinta densamente arborizada”, descreve o Relatório do Plano Piloto de Brasília. “Ele criou um renque de árvores em volta das superquadras preocupado em garantir uma qualidade ambiental e acústica. A faixa verde tem uma dupla função: garantir a melhoria da acústica porque a árvore cresceria e criaria uma barreira para o barulho e garantir sombra em torno do quadrado da superquadra onde as pessoas circulam”, diz a professora Cláudia Garcia.
Para o superintendente do Iphan-DF, Carlos Madson Reis, é na superquadra que a cidade esquece seu papel de capital do país e símbolo mundial da arquitetura moderna e revela seu lado citadino. “Lucio Costa, ao romper com a estrutura do quarteirão convencional, abrindo-o e transformando-o em um amplo bosque entremeado por blocos residenciais multifamiliares, de até seis pavimentos em pilotis livres, liberando o chão para uso público indistinto, concebeu uma nova maneira de morar em área urbana”, diz. “Falar em superquadra é falar de Brasília. É aqui, neste ambiente intimista e bucólico, que aflora no brasiliense o sentido de pertencimento a um lugar e a uma comunidade”, completa.
Lucio Costa disse que os blocos residenciais poderiam dispor-se de maneira variada nas super-quadras (assim mesmo, com hífen, como foram chamadas por ele em 1957), mas teriam que obedecer a alguns princípios: gabarito máximo uniforme de seis pavimentos (apesar de o bloco D da 308 Sul ter quatro andares), pilotis e separação do tráfego de veículos do trânsito de pedestres.
O garoto viveu de perto outro conceito inovador implementado por Lucio Costa em Brasília: a Unidade de Vizinhança, formada pelo conjunto de quatro superquadras que deveria dispor, numa distância acessível a pé, todas as facilidades necessárias à vida cotidiana. O plano consistia em conferir serviços básicos a cada quatro superquadras para atender os blocos residenciais com comércio, lazer, instituições educacionais, religiosas, desportivas e culturais. “A ideia era que, antes de fazer a opção de pegar o carro, o morador refletisse se queria mesmo tirá-lo da garagem, já que teria o comércio aqui à mão, como a padaria e a farmácia, o cinema, o clube, a igreja. Tudo perto de casa”, afirma João Luiz Valim Batelli.
A ideia também era promover a sociabilidade e as relações de vizinhança, onde os moradores se conhecem, compartilham dos mesmos espaços e necessidades. Entretanto, apenas uma Unidade de Vizinhança ficou completa, com todos os equipamentos previstos no projeto original – o conjunto formado pelas Superquadras 107, 307, 108 e 308 Sul, construídas nos primeiros momentos de Brasília.
As demais estão incompletas e não contam com os equipamentos comunitários previstos, a não ser o comércio local, sendo frequentes também as igrejas. Cinemas e Clubes de vizinhança, por exemplo, só existem na citada Unidade da Asa Sul. “Aprendi a nadar no Unidade de Vizinhança, ia para o clube durante a semana nos intervalos da escola. O cinema que frequentávamos era o Cine Brasília, assistíamos missa na Igrejinha”, conta. “Quando eu vim para Brasília eu era muito novo e convivia sem questionar muito. Depois de velho é que percebi o privilégio de ter vivido tudo isso, de ter crescido dentro do projeto de Lucio Costa”, afirma.
O uso comunitário seria a tônica dominante da convivência urbana. Esse conceito de uso coletivo do espaço vai além das áreas externas das edificações. Passa também pelo espaço dos próprios blocos residenciais, que foram erguidos sobre pilotis, permitindo a livre circulação de pessoas em qualquer direção. “Com os pilotis, Lucio Costa liberou o uso do solo. Foi uma desapropriação por parte de uma única pessoa daquele espaço. O espaço da superquadra é de ninguém específico e, ao mesmo tempo, é de todo mundo. Por isso que é proibido o fechamento dos pilotis. Ele pensou que essa área pública seria de todos. É uma cidade que tem uma visão humanista e social muito forte”, diz a professora da UnB, Cláudia Garcia.