14/11/2019 às 08:30, atualizado em 20/11/2019 às 15:56

A arte de transformar as flores secas do Planalto Central

Tradição passada de pai para filho, o artesanato floral é uma das marcas inconfundíveis de Brasília, transformado em cartão-postal da cidade

Por Lúcio Flávio, da Agência Brasília

Assim como os inconfundíveis traços do arquiteto Oscar Niemeyer desenhados nos concretos de várias edificações de Brasília, as flores secas do Cerrado são uma das marcas inconfundíveis do Distrito Federal. Trata-se da natureza local em seu estado bruto e puro. A essência da beleza rústica. Nas mãos de artesãos habilidosos, elas se transformam em belos arranjos montados que, há quase 50 anos, encantam moradores da cidade e turistas de todo país bem ali, em frente à Catedral Metropolitana de Brasília.

Ao todo, são dez bancas que comercializam mais de 50 tipos de espécies de cores vibrantes e díspares. Elas podem ser encontradas no cerrado das cidades de Santa Maria, São Sebastião, Cristalina e Padre Bernardo. Também na vegetação seca de Alto Paraíso (GO). Em menor escala, entre uma repartição e outra do Plano Piloto, a poucos metros da algazarra das crianças nos pilotis ou na agitação urbana das entrequadras.

São elas: pingo de ouro, sempre viva, papoulinha, amarelão, capim do cerrado, ourinho, folhas-moedas, capim-rabo-de-raposa, pireque-branco, muitas plumagens e pétalas, além, claro, de sementes e frutos de diversas árvores. Ah, sim, e tem a emblemática papipalon ou papipalan, a preferida de Lucio Costa [urbanista] e Oscar Niemeyer que, dizem os entendidos, o inspirou a projetar a Torre Digital. “Onde ela dá, parece um tapete branco”, explica Pedro dos Santos Fernandes, o mais antigo dos floristas da Catedral.

Duas técnicas são usadas para produzir as flores secas | Foto: Joel Rodrigues / Agência Brasília

Dois tipos de técnicas fazem sucessos na barraca dos artesãos de flores há décadas. As duas exigem dedicação e paciência num processo que vai da colheita ao armazenamento, passando pela desidratação, fervura em soda cáustica, clareamento com cloro, transformando-as em folhas esqueletizadas.

Banhadas com material da cor de ouro, elas brilham ao sol. Já as flores pintadas na anilina, com tinta especifica para couro, palha e flores, demoram mais a ficar pronta – cerca de seis horas. Ambas fazem os turistas suspirarem de encanto e surpresa.

“Eu nunca tinha visto esse tipo de trabalho antes. Lá em Belo Horizonte temos um mercado central que vende muito artesanato. Mas nada parecido”, comenta a designer de moda mineira Raquel Bacellar. “A cultura nordestina é muito rica nesse tipo de trabalho manual, até conhecemos algumas dessas flores, mas eu nunca tinha visto algo tão original e belo feito com elas”, comenta o empresário pernambucano Valdir Villar. O experiente Pedro conta que os brasilienses compram bastantes, mas os turistas  de fora são imbatíveis. “Ao contrário do que parece elas são fáceis de carregar e não estragam fáceis”, tranquiliza.

E ao que tudo indica muitos turistas ainda vão se deslumbrar com a beleza bucólica das flores secas do cerrado. Isso porque se trata de uma tradição que passa de pai para filho, como aconteceu com seu Pedro, perpetuada na família. “Eu aprendi esse ofício com o meu tio, se eu não mexesse com flores, nem sei o que seria”, lembra o cearense Guajará Ferreira de Paula, desde os 18 anos no ramo. “Os filhos ajudam tanto na venda, como na colheita. Vou com o grupo para o mato”, revela Pedro.