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23/11/2019 às 14:10, atualizado em 24/11/2019 às 09:44
Patrono do Teatro Nacional e fundador da Sinfônica, o músico genial deixou um legado que ainda aguarda o devido reconhecimento
Neste sábado (23) o Teatro Nacional Cláudio Santoro amanhece envolto em lembranças. Há cem anos nascia em Manaus o violinista, maestro e professor que lhe dá nome. Cláudio Franco de Sá Santoro (1919-1989) formou-se musicalmente no Rio de Janeiro, terra de Villa-Lobos, a quem é equiparado, e para onde foi em 1933 estudar no Conservatório de Música com bolsa do seu estado natal.
2019 traz outras marcas: os 30 anos da morte do músico e quatro décadas de fundação da Sinfônica do Teatro Nacional (OSTNCS) por Santoro, que criou também o Departamento de Música da UnB nos anos 1960. Isso além de sua vasta obra que reúne uma ópera, 14 sinfonias, centenas de obras e milhares de páginas de música. A genialidade do músico vai aos poucos sendo reafirmada com a atualização do interesse por sua obra com lançamentos discográficos e outros previstos para 2020.
“Trata-se de um dos maiores compositores brasileiros, construiu um legado musical de extrema relevância”, diz o regente da OSTNCS, Cláudio Cohen.
“Trabalhei com o maestro nos últimos seis anos da vida dele. Eu tinha dezessete anos quando comecei a assessorá-lo. Foi um período de intenso aprendizado em que falávamos muito sobre política, filosofia, música e muitas outras coisas. Eu tive o privilégio de acompanhar a vida de um gênio em tempo real”, diz Afonso Celso Galvão, violoncelo na orquestra entre 1984 e 2016.
Galvão ressalta também a humildade que marcava o mestre e lembra um episódio. Numa ocasião o encontrou comendo um misto quente na cantina da então Fundação Cultural do DF com um amigo, a quem apresentou o aluno:
– “Afonso, este é o Tom. Tom, Afonso, um amigo”.
“O Tom respondeu: – “Prazer, Tom Jobim”.
Galvão disse: – “Nossa, admiro muito sua música!”. Tom reagiu: – “Mas o gênio aqui é o nosso amigo”, apontando para o Santoro.
Companheira do maestro Santoro por 26 anos, a coreógrafa Gisèle Santoro diz que “Claudio foi excepcional em tudo que fez como músico e compositor, mas acredito que foi como professor que mostrou seu maior brilho”.
O pianista Renato Vasconcellos, atual chefe do departamento de música da Universidade de Brasília, considera inestimável o valor do serviço que Santoro prestou ao país com a criação do Departamento na universidade fundada por Darcy Ribeiro.
“O nosso departamento de música é responsável pela formação de centenas de músicos espalhados por todo o mundo. O atual grupo de professores, quase todos doutores, é composto em sua maioria por ex-alunos dele e representam a substituição gradativa das gerações de docentes. Viva o maestro Cláudio Santoro”, entusiasma-se.
Humanista
Gisèle relata que as convicções políticas de Santoro, comunista, causaram-lhe muita dificuldade, não apenas tirando-o da cátedra, forçando-o ao exílio, mas também na volta, em 78, jogado um manto de esquecimento sobre seu trabalho. Ele contudo, nunca recuou de suas convicções humanistas.
Ela conta que, ao chegar o Brasil então, Santoro foi sabatinado por mais de duas horas por um oficial do SNI, o órgão criado pela ditadura militar em 1964 para monitorar os inimigos do regime, extinto e substituído mais tarde pela Agência Brasileira de Inteligência. Ao final do interrogatório o oficial de plantão lhe perguntou:
– “Por que os intelectuais brasileiros são todos de esquerda?”
Santoro: – “O senhor já reparou quanta gente pobre e miserável vive em nossas ruas? Não lhe dá vontade de mudar isso?”
Galvão conta como se despediu do mestre: “Ele morreu na minha frente, durante um ensaio da orquestra que fundou. Em que pese a tragédia, foi uma bela morte, digna de um gênio. Como disse um crítico musical à época, o Brasil perdeu o seu Mozart”. O ex-aluno faz uma pausa e arremata: “Sua obra, no entanto, permanecerá”.