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03/02/2020 às 10:31, atualizado em 03/02/2020 às 10:34
Museu da República expõe trabalhos do autodidata com transtorno mental cujas criações são comparadas a modernistas como Tarsila do Amaral e Alfredo Volpi
O Museu Nacional da República abre em 7 de fevereiro a exposição Construção Obsessiva, com parte da impressionante obra do baiano autodidata diagnosticado com transtorno mental Aurelino dos Santos. Suas criações são comparadas a modernistas brasileiros do porte de Tarsila do Amaral e Alfredo Volpi.
Nascido em Salvador em 1942, o andarilho da primeira capital e ex-cobrador de ônibus construiu uma obra que o diretor do Museu Nacional, Charles Cosac, considera “brilhante, digna de um mestre e comparável a qualquer outro artista renomado de sua geração”. A exposição reúne mais de 100 obras produzidas entre 1980 e 2015.
A curadora da mostra, Thais Darzé, afirma que Aurelino tem um trabalho coeso, construído ao longo das cinco últimas décadas. “Geometrizada e refinada, rica em detalhes e com extrema organização em suas composições e proporções, sua obra reverencia a cidade, ruas e construções. Ao contemplá-la, temos a sensação de serem vistas aéreas urbanas, como se o artista andarilho mapeasse as rotas que percorre diariamente”, descreve a galerista de Salvador.
Cosac acrescenta que o pintor é “equivocadamente classificado como naïf”, termo que designa artistas autodidatas que desenvolvem uma linguagem pessoal e original de expressão. Classifica-a de “elementarmente construtivo-figurativa. Em alguns momentos, o artista flerta com a paisagem e chega a se permitir o horizonte, o céu, mesmo sem ponto de fuga [perspectiva]”.
O diretor ainda destaca no trabalho de Aurelino o espaço repleto de sinais, símbolos e pequenas formas predominantemente geométricas. Diz que tais elementos formam uma engenharia, “um mecanismo de caixinha de música, um motor de automóvel, como se cada peça desse ou recebesse movimento das outras. Uma construção perfeita onde também há espaço para dígitos, letras e mesmo frases oriundas de recortes de revistas e jornais”.
Arte e loucura
Diagnosticado com esquizofrenia e mostrando dificuldades de expressão oral, Aurelino levanta, com seu trabalho, discussões sobre a fronteira entre arte e sofrimento psíquico.
O professor aposentado da Universidade de Brasília Nelson Maravalhas Jr, pós-doutor em Teoria e História da Arte, que lecionou Arte e Loucura na instituição, levanta hipóteses sobre a relação da pintura de Aurelino com estados hipnagógicos (entre vigília e sono), tema de pesquisa de doutorado.
Ele pretende discorrer sobre o tema na abertura da exposição. Sua pesquisa, calcada na psicologia experimental, a uma distância crítica da psicanálise e da psicologia análitica, questiona conceitos como inconsciente (Freud) e simbolismo (Jung), e mergulha no universo da chamada arte marginal psicótica, também conhecida pelos termos em inglês “Outsider Art” ou francês “Art Brut”, referências à criação artística fora dos cânones da academia.
Maravalhas defende que o cérebro humano pode manter intacto seu centro de criação mesmo na presença de distúrbios psíquicos. Charles Cosac traz uma nota poética para a afirmação científica do professor da UnB. No texto em que apresenta o trabalho de Aurelino, cita a música da banda Os Mutantes, Balada do Louco (1972).
O diretor escreve que “não existe arte louca, nem tampouco arte de louco”. Diz que acreditar nisso é intolerância e preconceito. “Um homem que fala sozinho, possui seus medos e prazeres, fica mal ao beber e, como todo mundo, desgosta de ver sua imagem refletida no espelho e tem medo da própria sombra, não é tão louco”. E finaliza com versos da banda da Tropicália: “Mas louco é quem me diz/E não é feliz, eu sou feliz”.
Serviço
Construção Obsessiva, exposição da arte de Aurelino dos Santos
7 de fevereiro a 29 de março
Das 9h às 18h30
Museu Nacional da República, Setor Cultural Sul, Lote 2 próximo à Rodoviária do Plano Piloto
Telefone: (61) 3325-5220
Entrada Franca
* Com informações da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec)