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06/03/2020 às 16:53, atualizado em 06/03/2020 às 17:40
O artista plástico chegou em Brasília antes da inauguração, em janeiro de 1960. Em meio ao pó e ao barulho da construção, ele cresceu, estudou, fugiu do país e, na volta, resolveu viver na capital federal
[Numeralha titulo_grande=”47″ texto=”dias para os 60 anos de Brasíliacentro
Em homenagem à capital federal, formada por gente de todos os cantos, a Agência Brasília está publicando, diariamente, até 21 de abril, depoimentos de pessoas que declaram seu amor à cidade.
“Nasci nas montanhas de Petrópolis (RJ) e, em janeiro de 1960, eu estava em Brasília já. Meu pai veio para trabalhar em hospital público. Minha mãe era atriz e escritora. Depois de um pequeno período de adaptação na cidade ela acabou indo dar aula de teatro na Universidade de Brasília (UnB). Minha relação com a cidade é, então, desde o início da minha vida. Quando Brasília foi inaugurada, eu já estava aqui.
Nessa época, a gente morava na 106 Sul, ao lado do Cine Brasília. Eu lembro que não tinha nada ali. Eu e meus irmãos olhávamos pela janela do apartamento e não passava nada na rua. Era tudo terra à nossa volta. A grande diversão era ver um carro passar. A gente passava a tarde inteira esperando. Quando (o carro) passava, a gente gritava: ‘um carro!’. Foi uma grande emoção quando construíram o parquinho na quadra, por exemplo.
Era tudo terra à nossa volta. A grande diversão era ver um carro passar. A gente passava a tarde inteira esperando. Quando (o carro) passava, a gente gritava: ‘um carro!’.esquerda
Tinha um banheiro na porta do apartamento para a gente tirar o barro antes de entrar em casa. A gente entrava no chuveiro de uniforme. Trocava de roupa ali mesmo. A Escola Parque era um paraíso, onde a gente tinha aula de artes.
Esse início feliz foi interrompido. Com o Golpe de 1964, meus pais foram muito perseguidos. A casa da gente era invadida a toda hora. O telefone era censurado. Meus avós, que eram austríacos, judeus fugidos de Viena, só falavam com minha mãe em alemão. Eu só ouvia uma voz: ‘Favor falar em português’. Como era discreta a censura (risos)…
Lembro de uma vez que eu estava com minha mãe na UnB, quando entraram e arrancaram os livros da biblioteca e queimaram na minha frente.
A situação ficou impossível. Tinha um agente infiltrado na turma dela. Um dia, ele deu carona para ela e falou: ‘Gosto muito de você. Eu sou um agente da polícia infiltrado e você corre sério risco de vida. Você, seu marido e seus filhos vão ser mortos e jogados no mar. Fujam do país’. Então, me vi num internato em Paris sem falar nada de francês. Foi um momento complicado ali.
Mas voltei ao Brasil. Com o doutorado em Nova Iorque (Estados Unidos), fiz concurso para universidades federais. Num mesmo dia, me liga a USP (Universidade de São Paulo), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a UnB. Foi muito dessa primeira memória de afeto com Brasília que acabou me fazendo escolher a UnB. E aqui estou há 27 anos.”
Gê Orthof, artista plástico, professor de artes da UnB e morador do Lago Norte