16/07/2020 às 17:05, atualizado em 17/07/2020 às 11:21

Cooperativa Sonho de Liberdade recicla material e vidas

Recolhendo madeira inutilizada por todo o DF, os cooperados fazem, entre outras coisas, móveis e vendem a serragem para a indústria de cimento

Por Ary Filgueira, da Agência Brasília I Edição: Carolina Jardon

Uma cooperativa pode atuar em vários ramos. Os mais comuns são agricultura, transporte público e catadores de papel. Diferentemente da maioria, a principal atividade de um grupo de cooperados da Estrutural não é econômica, mas social. Em vez de visar só o lucro, o foco é a reciclagem de pessoas afastadas da vida em sociedade.

Para tornar isso realidade, a Sonho de Liberdade conta com uma ajuda diária. Caminhões do SLU fretados pelas secretarias de Desenvolvimento Social (Sedes) e de Economia descarregam na sede da cooperativa, no Setor de Chácaras Santa Luzia, cerca de 50 toneladas de objetos inservíveis.

A maioria móveis velhos que seriam despejados no lixo, mas que lá ganham outro destino. Quando ainda dá para reciclá-los, viram móveis de novo. Caso contrário, são triturados e vão para as indústrias de cimento, que utilizam a serragem para fortalecer a massa.

Diariamente, a cooperativa vende para essas indústrias cerca de 30 toneladas de serragem. Parte do dinheiro arrecadado é distribuída entre os 20 cooperados, que recebem R$ 50 por dia. A outra é empregada nas despesas da cooperativa, que serve alimentação e oferece até moradia. “Começamos com um grupo de cinco pessoas em situação de rua, dobramos e agora temos 20 aqui”, recorda o idealizador, Fernando de Figueiredo.

Os novos cooperados são capacitados dentro da própria Sonho de Liberdade. Em 15 dias, aprendem a fazer máscara, bola de futebol e separar a madeira que chega da rua. Para realizar este último trabalho, são divididas as tarefas em grupos. Uma equipe tira os pregos das madeiras, outra seleciona as tábuas que servirão para fazer móveis e uma terceira junta o material que não serve mais para ser triturado. Ou seja, nada se perde, tudo se aproveita.

A história da Sonho de Liberdade começa em 2007, mais precisamente no Presídio da Papuda, quando dois detentos dispostos a mudar a vida decidiram unir as habilidades e montar um projeto para recuperar pessoas envolvidas com a criminalidade e ganhar o próprio sustento.

Um desses detentos é Fernando de Figueiredo. Condenado a uma pena de 19 anos, cumpriu seis e assim que foi solto começou a pensar na cooperativa. Foi na Papuda, confeccionando bola, que Fernando conheceu Isolino Pereira, 64 anos, que veio de Minas Gerais a convite do Ministério dos Esportes ensinar a atividade para os presos daqui.

“Um dia, o Fernando virou para mim e perguntou o que eu achava de a gente montar uma cooperativa. Eu disse: ‘tudo bem. Quando você sair, a gente conversa’. Estamos aqui, fazendo e vendendo nossas próprias bolas”, recorda Isolino, que também é ex-detento.

Na Sonho de Liberdade a mão-de-obra é basicamente composta por detidos. O problema, neste momento, é que com a pandemia do novo coronavírus, ficou cada vez mais difícil achar presos saudáveis que possam trabalhar.

Foi aí que Fernando foi ao GDF buscar apoio. Esteve no abrigo provisório para pessoas em situação de rua, em Ceilândia, e recrutou novos funcionários. “O Governo do Distrito Federal está de parabéns, porque ele não está depositando dinheiro na conta da cooperativa, mas o mais importante: a matéria-prima, que são as madeiras e a mão de obra”, reconhece Fernando.

Um dos selecionados é Wiverson da Silva Luz, 34 anos. Natural de Minas, ele veio procurar emprego e acabou morando nas ruas porque não conseguia se sustentar. Até que foi encontrado por servidores da Sedes que o encaminharam para um abrigo em Ceilândia. Lá, acabou sendo escolhido para integrar a cooperativa de Fernando. “Estou muito feliz em ganhar meu dinheirinho aqui. Está muito bom. Voltei a ter convívio com pessoas de bem. Hoje eu olho para elas sem baixar os olhos. Eu só tenho a agradecer a cooperativa”, agradece.

Wiverson ainda vive no abrigo provisório de Ceilândia desde junho, mas já pensa em alugar uma casa, com o dinheiro que recebe. Ele está consciente de que o abrigo  é para pessoas que não tem de onde tirar o sustento, o que não é mais o seu caso. “O projeto dos abrigos é diferente de todos os albergues por onde passei no país. Aqui é muito organizado. Não se permite criminalidade nas redondezas”, aponta.

Integrado há mais tempo, Joabe Santos de Jesus, 44 anos, hoje já ensina os novatos. Ele dá “aulas” de como confeccionar máscara facial, objeto essencial no controle da propagação do vírus. Ele chegou à cooperativa exatamente há um ano e, nesse tempo, conheceu a atual mulher com quem adquiriu a casa própria na Estrutural, fruto do seu trabalho. “Graças a Deus, aprendi uma profissão aqui e hoje tenho o meu sustento”, disse ele, que, de morador de rua, agora alimenta o sonho de um dia ser pai de família.