01/10/2021 às 16:05, atualizado em 04/10/2021 às 08:30

‘Atrelar o ensino profissionalizante ao novo é o grande ganho desse modelo’

A subsecretária de Educação Básica do DF explica quais são as principais mudanças para o ensino médio no próximo ano

Por Ana Luiza Vinhote, da Agência Brasília I Edição: Carolina Jardon

O novo ensino médio começa a valer a partir de 2022, mas desde o ano passado o Governo do Distrito Federal (GDF) já começou a implantar o modelo em doze escolas da rede pública da capital, atendendo a cerca de 7 mil estudantes. O objetivo principal da proposta é fazer com que os estudos sejam mais atrativos para os alunos.    

Em entrevista à Agência Brasília, a subsecretária de Educação Básica, Solange Foizer, explica quais são as principais mudanças propostas pelo novo ensino médio; como está o processo de implantação do modelo; e de que forma a proposta se alinha com a educação profissional. “O curso técnico em países desenvolvidos é essencial e no Brasil ainda não é. Atrelar o ensino profissionalizante ao novo ensino é o grande ganho desse modelo”, afirma.

A subsecretária também ressalta os investimentos que o GDF tem feito em para que as escolas se adaptem ao novo ensino médio e de que forma o governo local pretende enfrentar o déficit educacional causado pela pandemia do novo coronavírus.  “Ainda não sabemos mensurar o déficit, mas saberemos porque teremos uma avaliação diagnóstica feita pela Secretaria de Educação até o final de outubro. Dependendo dos anos e séries podemos finalizar este ano com um plano emergencial de recuperação das aprendizagens e continuar em 2022.”, adianta.  

Na prática, quais são as mudanças propostas pelo novo ensino médio? Qual objetivo delas?
O novo ensino médio vai ao encontro das necessidades dos alunos. É uma proposta pedagógica delineada nos últimos 10 anos pelos educadores, conselho de educação, pelas organizações não governamentais, que propõem um novo ensino médio adequado a realidade desses jovens. Ou seja, fazer com que eles permaneçam nas escolas e finalizem a educação básica – gostando do colégio e tendo prazer em estudar. Por isso, no projeto, temos não só a formação geral básica – que contempla os componentes curriculares que nós conhecemos no nosso cotidiano escolar – mas também os itinerários formativos e o “Projeto de Vida”. Atualmente, o regime de oferta de disciplinas é anual. Com o novo ensino médio, os alunos terão oferta de disciplinas semestralmente. De três séries, passaremos para seis semestres. A carga horária também não será mais contabilizada em horas, mas em crédito. Um crédito, por exemplo, equivale a uma aula semanal.  

O que seriam os itinerários formativos e o “Projeto de Vida”?
Os itinerários formativos também vão ao encontro do interesse deste aluno e são ofertados a partir de um levantamento feito pela unidade escolar, de acordo com o que planejam para sua vida acadêmica ou profissional. Eles podem ser oficinas, projetos, por exemplo. Tudo depende do interesse do estudante. O “Projeto de Vida” é uma disciplina, atrelada a esse itinerário e faz com que este aluno finalize a educação básica sabendo o que ele quer para o seu futuro.

Isso significa que o aluno vai escolher o que quer estudar?
Não. Ele vai estudar na formação geral básica os componentes curriculares, como língua portuguesa, matemática, história, geografia, filosofia, sociologia, inglês, educação física, física, química, biologia, arte. Porém, há um número menor de aulas destinadas a esses que compõem quatro áreas de conhecimento que são linguagens, matemática, ciências da natureza e  ciências humanas e sociais. Elas acabam desenvolvendo itinerários formativos que atendem as ansiedades deste alunos do ensino médio e aí podem escolher. Se ele ama língua portuguesa, ele pode fazer um itinerário que tenha oratória, processos de construção de peças. Se ele gosta de matemática, física, química, ele opta por uma astronomia, lógica, por exemplo. O “Projeto de Vida” também é obrigatório. No caso do Distrito Federal, nós temos mais um componente que é obrigatório que é a língua espanhola.
           
O GDF já começou a implementar o novo ensino médio desde 2020. Qual a avaliação da senhora?
Começou em cinco escolas. Nessas unidades seria rodado toda essa proposta, mas após um mês do início do ano letivo fomos para o não presencial. O material era por meio do YouTube, Google Classroom, material impresso. O online ajuda em alguns momentos, mas não o tempo todo. Estamos voltando ao presencial depois de 15 meses sem aula presencial. Estamos aguardando que todos os grupos tenham um mês de aula, ou seja 20 dias letivos, porque cada semana são cinco dias letivos, mas vai um grupo. Em um mês há 10 dias letivos para cada grupo. Após esse período teremos uma avaliação diagnóstica, além de um acompanhamento in loco de todas as ações desenvolvidas.  

Quantos alunos cursam o ensino médio atualmente?  
No ensino médio da capital temos cerca de 86 mil alunos distribuídos em 92 escolas. Dessas, temos 12 unidades rodando o novo ensino médio com quase 7 mil estudantes. Em 2020, ele foi inserido na primeira série de cinco escolas. Em 2021, na primeira série de outros 7 colégios, ou seja, as cinco escolas já têm alunos na primeira e na segunda. Também temos ensino médio para a educação de jovens e adultos em um formato diferente, que são cerca de 62 escolas.    

E o material didático? Terá alguma alteração?
O Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), do Ministério da Educação, para 2022 foi escolhido em 2021. Já está em consonância com o novo ensino médio.  

Os professores passaram por alguma formação?
Passaram e continuam passando por uma formação continuada feita pela EAPE [Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação] desde 2019. Hoje, eles fazem uma formação para atender e serem os docentes dos itinerários formativos dentro das unidades. Por exemplo, se a escola percebeu que os alunos querem entender mais lógica e há um itinerário formativo para isso, o docente de matemática vai propor um plano de curso e ofertar lógica. Um de física pode ofertar de astronomia, por exemplo. Os professores dos componentes curriculares precisam entender o novo ensino médio como uma proposta diferenciada para desenvolver os objetivos de aprendizagem dentro de sala de aula, que se juntam com o que vai acontecer nos itinerários. Tudo envolve o interesse do aluno. O objetivo maior desse modelo é que o estudante volte a se interessar por uma escola que faça diferença. O novo ensino médio está sendo mais prático de forma que estimule o aluno a gostar mais dos estudos. A nossa evasão do 9º ano para o ensino médio é muito grande e durante é muito maior. O aluno saía do ensino médio sem poder ter uma profissão.

O novo ensino médio converge com o ensino profissional?
Atualmente, temos o ensino médio regular integrado com a educação profissional em três unidades escolares em Planaltina, Gama e Cruzeiro. A do Gama é piloto do novo ensino médio. Nos outros onze colégios que também estão aplicando esse modelo, está sendo ofertado aos estudantes um itinerário profissional por nós ou por parceiros Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial] e Senac [Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial]. É opcional para o aluno. Ele pode sair de lá com um curso técnico também finalizado. O curso técnico em países desenvolvidos é essencial e no Brasil ainda não é. Muitas vezes o aluno não tem a opção e tem a necessidade. Como aumentar a renda na minha família já que o pai não acredita que depois dos 14 anos ele precisa estudar? Temos que atrelar algo que o aluno possa entrar no mercado de trabalho e continuar estudando. Trabalhar impulsiona ele a ir para o nível superior. Atrelar o ensino profissionalizante ao novo ensino é o grande ganho desse modelo. Isso não podia ser feito antes. Ou ia para o profissionalizante ou fazia o ensino médio.    

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) também vai seguir essa proposta?
Ainda não saiu nada que diga que os alunos da EJA terão esse tipo de formação. A Educação de Jovens e Adultos é uma situação específica. São para aqueles que não tiveram a oportunidade na idade certa. Sonhamos em não ter mais EJA porque aí todos estarão estudando na idade certa. O número de horas de aula que é ofertado é só à noite e não é possível passar das 7h às 22h. É preciso saber como ampliar, talvez extrapolar de três anos para quatro, alguma coisa pode ser que ocorra.

Com relação a preparação para o vestibular e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como o GDF vai preparar os alunos?
O vestibular e o Enem só vão alterar quando o aluno do novo ensino médio chegar à terceira série. Talvez o Programa de Avaliação Seriada (PAS) já faça alterações nas três etapas. O novo Enem deve estar para sair. Já há discussões sobre o assunto entre órgãos de educação. Não é uma política de governo, mas sim de estado. Temos que ter uma avaliação sistêmica da educação do Brasil até para atender as organizações internacionais. A preparação dos alunos para avaliações externas é feita no dia a dia quando o professor desenvolve um currículo voltado para essa realidade – que parte de objetivos de aprendizagens que estão atrelados às habilidades e competências que esses estudantes devem desenvolver. No cotidiano da sala de aula vai aprendendo e chegando a estar pronto para um exame. Também temos aulas online. O novo ensino médio também traz essa possibilidade com os itinerários formativos, que podem ser voltados à preparação de exames externos.          

Os estudantes ficaram mais de um ano no ensino não presencial. Como a senhora avalia o déficit educacional deixado pela pandemia?
Se esse déficit ocorreu nas relações pessoais, como não vai ocorrer na aprendizagem? A própria OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] já diz que depois de seis meses sem contato direto há um decréscimo na aprendizagem. Não é nem mantido o nível que ele estava, é perdido. A gente perde quando a gente não usa. O aluno não pode usar tudo que ele poderia. Não teve o essencial que é o contato real com o professor, que é fundamental. Há uma perda grande e que levaremos anos para recuperar. É um momento que nenhum de nós imaginou viver. Ainda não sabemos mensurar o déficit.