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13/04/2022 às 16:00, atualizado em 13/04/2022 às 16:43
Poeta maranhense, primeiro dirigente de Cultura do DF, colaborou com o crescimento da atividade cultural
A reação é de surpresa, espanto, até, mas poucos se dão conta de que o primeiro gestor de Cultura do Distrito Federal foi o poeta Ferreira Gullar. E isso em 1961, quando nem existia ainda a secretaria propriamente dita, então chamada de Fundação Cultural de Brasília. O convite partiu do presidente Jânio Quadros; e, naquele tempo, o autor dos versos de Poema Sujo, em uma tentativa de promover a junção entre o moderno e popular, executou medidas de impacto.
Assim como ocorreu com outros segmentos das artes, boa parte da turma do cinema em todo o país se deixou contagiar pela ideia de modernismo e futuro ensejado pela construção de Brasília. Tal sentimento de renovação e esperança resultaria em momentos marcantes da cultura, como obras de significativo peso social e a criação do Festival de Cinema de Brasília do Cinema Brasileiro, cinco anos após a inauguração da capital.
Segundo Cacá Diegues, esse evento se transformaria em um trampolim e tanto para os primeiros filmes do Cinema Novo que começavam a emergir no cenário nacional, a exemplo de pérolas como A Falecida (1965), de Leon Hirszman; Menino de Engenho (1965), de Walter Lima Jr., e Opinião Pública (1966), de Arnaldo Jabor, todos eles destaques da Mostra Competitiva.
“Brasília foi, para a minha geração, um sinal de confiança no Brasil, um sinal de que o Brasil poderia dar certo”, avalia o diretor de sucessos de público e crítica como Xica da Silva (1976) e Bye, Bye, Brasil (1979), olhando no retrovisor do tempo. “A primeira vez em que o Brasil ouviu falar em Cinema Novo foi num daqueles primeiros festivais de cinema brasileiro, organizados pela Escola de Cinema [da UnB].”
Nasce a tradição do cinema
Um dos mentores da UnB, o antropólogo mineiro Darcy Ribeiro dizia que a universidade era uma instituição “tão inovadora no plano cultural quanto o era a própria Brasília no plano urbanístico e arquitetural”. Era natural, portanto, que o espaço fosse o berço do primeiro curso de cinema do país em nível universitário. Nascia, assim, a tradição da capital federal para a chamada sétima arte – signo que perdura até hoje por meio de talentos gestados tanto no Plano Piloto quanto no Entorno.
“O público de Brasília é descolado, uma plateia que sabe aplaudir, mas que também sabe criticar até chegar ao ponto da vaia contra qualquer acontecimento político que venha de encontro” Vladimir Carvalho, cineastadireita
A ideia partiu do jornalista Pompeu de Souza – conhecido por ter sido um renovador da imprensa brasileira, ao introduzir, ainda nos anos 1950, a técnica do lead no Diário Carioca –, com o aval do próprio Darcy Ribeiro. “Pompeu aceitou o convite de Darcy, sob a condição de ele lhe dar carta branca para estruturar uma unidade universitária ousada, condizente com a quimérica aventura de Brasília”, escreve o jornalista e cineasta Sérgio Moriconi, no livro Cinema – Apontamentos para uma História.
Assim, a Faculdade de Comunicação de Massa da UnB seria composta por três escolas: Jornalismo, Publicidade e Propaganda, além do curso de TV, Rádio e Cinema, que ficaria a cargo de Paulo Emílio Salles Gomes. Era março de 1965.
Poucos meses depois, era a vez do cineasta Nelson Pereira dos Santos, recém-premiado, no Brasil e no mundo, com o impactante Vidas Secas – baseado em obra homônima de Graciliano Ramos – desembarcar na cidade para assumir as cadeiras de técnica e realização cinematográfica. Naquele mesmo ano, foi criada a primeira edição do Festival de Brasília, então chamado de Semana do Cinema Brasileiro.
No auge de seus 87 anos, mais de 50 dos quais vividos em Brasília, o cineasta Vladimir Carvalho vislumbra reflexos desse tempo de efervescência criativa no atípico público de cinema da cidade. Todos, segundo o mestre, remetem ao espectro dos pioneiros da arte no DF.
“É um público descolado, uma plateia que sabe aplaudir, mas que também sabe criticar até chegar ao ponto da vaia contra qualquer acontecimento político que venha de encontro”, observa. “O público de Brasília é herdeiro das célebres palestras do Paulo Emílio que aconteciam tanto na UnB quanto fora dela, no auditório da Escola Parque da 308 Sul”.
Lançado em 1962, o filme de episódios, dirigido por cinco jovens estudantes de cinema e com produção do Centro Popular de Cultura (CPC) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), é tido por muitos como o embrião do Cinema Novo. Narra as desventuras e conflitos sociais de personagens do morro no asfalto nos curtas Um Favelado, de Marcos Farias, Zé da Cachorra, de Miguel Borges; Escola de Samba, Alegria de Viver, de Cacá Diegues; Pedreira de São Diogo, de Leon Hirszman, e o mais célebre deles, Couro de Gato, de Joaquim Pedro de Andrade. Alguns nomes que se tornariam conhecidos do cinema e da televisão no futuro, como Flávio Migliaccio, Cláudio Corrêa e Castro e Milton Gonçalves, são destaques no elenco dessas produções.
O curta Fala, Brasília (1966) viria a ser o primeiro filme realizado dentro do curso de cinema da UnB. Com direção de Nelson Pereira dos Santos, um dos nomes pilares do Cinema Novo, e colaboração dos estudantes, mostra a forte presença de vários sotaques do país concentrados no coração do cerrado naqueles primeiros anos da capital. Alguns dos depoimentos foram colhidos na Rodoviária do Plano Piloto.