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20/11/2022 às 15:31, atualizado em 20/11/2022 às 19:32
Dirigido por Bruno Jorge, filme ‘Invenção do Outro’ narrou o périplo de uma etnia perdida no coração da selva amazônica
E a cereja do bolo ficou para a última noite da mostra competitiva da 55ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, neste sábado (19), no Cine Brasília. Tendo como linha condutora a epopeia em busca de indígenas “perdidos” no coração das trevas da floresta amazônica, o documentário A Invenção do Outro, de Bruno Jorge, arrebatou a plateia, que, atenta à exibição, mal piscava os olhos.
O filme é uma obra impactante sobre um Brasil profundo e invisível ao olhar das grandes massas, mas com cenas e narrativas que resvalam no inconsciente popular por conta da figura do indigenista Bruno Pereira, brutalmente assassinado juntamente com o jornalista britânico Dom Phillips em junho deste ano. Ele protagoniza a trama com o índio Xuxu, da etnia Korubos, distanciado da família e em conflito com povos adversários da região.
Já a comédia Três Tigres Tristes, de Gustavo Vinagre, narra a trajetória de três personagens à margem do sistema, lutando pelo pão de cada dia e para conseguir pagar o aluguel de uma quitinete em uma São Paulo surrealista, tomada pela pandemia. Impagável a cena com a participação do veterano ator paraibano Everaldo Pontes.
Sensação da mostra Festival dos Festivais e uma das pérolas desta edição do FBCB, o drama Fogaréu, de Adriana Neves, traz à tona uma realidade de pesadelo ambientada no interior de Goiás. Flertando com o fantástico, o filme reflete sobre a herança do período colonial na região e a avassaladora interferência do agronegócio nos dias atuais.
“É uma outra maneira de ver o mundo, ou seja, falar desses corpos invisíveis”, resumiu a atriz mineira Barbara Colen, protagonista de Fogaréu. Ao apresentar parte da programação do evento, ela falou sobre essa intrincada relação de casa-grande e senzala que perpassa a trama a partir da ótica de personagens afetados por algum tipo de deficiência neurológica.
Debates
Os realizadores dos dois curtas-metragens e do longa da Mostra Competitiva exibidos na sexta-feira (18) interagiram com os participantes do debate do dia seguinte à sessão realizada no Hotel Grand Mercure. O tema foram as produções que falam sobre afetos e, como disse Belchior, da “solidão das pessoas dessas capitais”.
Diretor do divertido e provocativo Capuchinhos, Victor Laet arrancou gargalhadas dos presentes ao explicar o processo de criação do seu filme, que flerta com o experimentalismo e o absurdo: “Fazer o filme foi um processo catártico e metamorfósico, depois de um marasmo emocional e espiritual com tanta coisa ruim que estava acontecendo no Brasil. O filme é uma provocação mesmo, dá para construir histórias, desconstruindo tudo”.
Exaltando o Coletivo Mangaba, grupo de realizadores do audiovisual da Paraíba formado por mulheres com projetos voltados ao universo feminino, a diretora Mayara Valentim falou do desafio de registrar a delicadeza do real, sem cair na “tosquice”. Destrinchou com poesia uma das cenas mais belas exibidas na tela nesta edição do FBCB, em que a atriz Laís de Oyá, em seu primeiro filme como protagonista, se banha com um regador em um jardim de Éden em quintal suburbano da cidade portuária de Cabedelo (PB).
“Me tocou muito ver a cena, fiquei emocionada, porque é o meu corpo, emprestado ou não, que está ali, se confundindo com as plantas”, disse a atriz. “O filme é isso, nasce dessa complexidade e beleza da realidade de uma cidade portuária”, resumiu a diretora Mayara.
Sobre as produções
Diretora do curta gaúcho Um Tempo Para Mim, Paola Mallmann relatou como a oralidade dos povos guarani e os sonhos que fazem parte da cosmologia dessa etnia ajudaram na construção narrativa do filme, que aborda o rito de passagem de uma indígena com a chegada da menstruação. “A questão da transição do saber, da tradição, pelos mais velhos é evidente nesse projeto dentro de uma dimensão das relações sociais”, ressaltou.
Com um título que é poesia pura, A Invenção do Outro, de Bruno Jorge, foi responsável pelo momento de catarse do debate, com depoimentos emocionados sobre a relação e dedicação de um grupo de indígenas da Funai a um grupo de índios da etnia Korubos, no seio da floresta amazônica. “Estabelecemos um jogo de tentativa de identificar o outro com essa presença estranha entre os índios”, comentou o diretor Bruno Jorge.
Viúva do indigenista Bruno, Beatriz Matos falou sobre a beleza desse testamento audiovisual antropológico em que o filme se transformou, coroando o difícil trabalho de um grupo dedicado à causa indígena. “O Bruno tinha muita paixão pelo que fazia; e, pela clareza dessa conversa com os korubos, sabia que estava em missão diplomática nesse drama existencial vivido por essa etnia”, descreveu a antropóloga. “É um filme feito com arte, beleza e respeito, valorizando o trabalho dessas pessoas. Foi emocionante ver o filme e saber que o nosso filho vai poder conhecer o pai por esse tipo de registro lindo e não pela sua presença”.