19/04/2023 às 20:15, atualizado em 19/04/2023 às 20:28

Caldeirão cultural: Brasília reúne movimentos de todos os cantos do país

Do cordel e repente a grafite, break e rap, a capital federal é um mosaico de ritmos e estilos

Por Catarina Loiola, da Agência Brasília | Edição: Claudio Fernandes

Brasília é um mosaico de culturas, cores e sabores. Em 63 anos de história, a serem completados nesta sexta-feira (21), a capital desenhada por Oscar Niemeyer e Lucio Costa, junto às 35 regiões administrativas, esbanja pluralidade. Caldeirão do que há de melhor no Brasil, o quadrilátero de pouco mais 5 mil metros quadrados e mais de 3 milhões de habitantes abriga as mais variadas expressões culturais.

Gerente da Casa do Cantador, Zé do Cerrado afirma: “Em Ceilândia, não tem do que você ter saudade do Nordeste, porque não dá tempo, a gente tem tudo aqui” | Foto: Paulo H. Carvalho / Agência Brasília

A presença massiva de nordestinos exigiu a criação de um ponto de encontro. Em 1986, foi inaugurada a Casa do Cantador, em Ceilândia, palco de repentistas de viola, declamadores, emboladores de coco, bem como dos amantes de literatura de cordel. “Abrigamos todos os ritmos aqui, mas o forte da casa é o forró, é a cantoria de repente”, conta o gerente do local, Zé do Cerrado.

O espaço é conhecido como Palácio da Poesia e é o único monumento desenhado por Niemeyer fora do Plano Piloto. A escolha pela localização, inclusive, relaciona-se ao número elevado de nordestinos na cidade – mais de 40% do total de 350 mil habitantes. “Em Ceilândia, não tem do que você ter saudade do Nordeste, porque não dá tempo, a gente tem tudo aqui. E, de certa forma, o Nordeste está presente em Brasília inteira”, comenta o gerente.

Juventude ritmada

Além da literatura de cordel e da cantoria repentista, outros estilos se consagraram no Distrito Federal. É o caso do hip-hop, movimento cultural de origem afro-americana que surgiu no Brasil na década de 1980, em São Paulo. O estilo se manifesta por meio do grafite, do break e do rap com DJs e MCs.

“Me sinto muito inspirado pela quebrada. Quando eu era molequinho, com 8 anos, lembro de olhar por cima do muro da casa da minha avó e de ver os caras dançando com a cabeça no chão e ficar pensando: ‘Caraca, que onda é essa?’. E já era hip-hop, era o break”Israel Paixão, compositor, rapper, DJ e dançarinodireita

“No DF, o hip-hop se difundiu como cultura periférica de protesto e de intervenção da juventude preta. Os povos foram sendo afastados do centro e foram ocupando as regiões administrativas, criando a perspectiva que queriam de cidade, arte e cultura. E para isso usaram as ruas, o único meio que tinham, num contexto de uma cidade sem equipamentos públicos culturais”, elucida Sol Montes.

Quando se trata de música, nomes como Gog, Viela 17 e Câmbio Negro foram os precursores do gênero no cenário brasiliense, entre os idos de 1980 e 1990, com denúncias sobre as dificuldades da periferia. Passados os anos, novos artistas surgiram na capital federal, ainda engajados em usar o movimento como ferramenta de transformação social.

“Isso é observado em todos os elementos do hip-hop. E é a rua que eles ocupam, que, por sua vez, foi se tornando cada vez mais artística, com arte nos muros”, salienta a subsecretária de Difusão Cultural e Diversidade. “Vem junto à juventude, como uma arte de protesto, em busca de visibilidade.”

Espaço Cultural Mercado Sul, ou Beco da Cultura, na altura da QSB 12/13 de Taguatinga: paredes grafitadas e cultura por todos os cantos são marcas registradas da área | Foto: Paulo H. Carvalho / Agência Brasília

“Vejo o Mercado Sul como um lugar pulsante e em constante movimento. Tem vários tipos de arte e de cultura que se relacionam entre si e conseguem existir nesse lugar. É um berço em que conseguimos viver o ‘ser artista’ e a experiência de comunidade, como um lugar de acolhimento, expressão e transformação”, comenta a artista independente Raissa Miah.

Paredes grafitadas e cultura por todos os cantos são marcas registradas da área. “Todos os movimentos que estão aqui estão no DF, mas, como é um ambiente pequeno, é como uma incubadora de talentos. É uma referência para nichos culturais”, pontua ela.

Mensalmente, os artistas independentes moradores dos prédios coloridos promovem a EcoFeira, um espaço de exposição, troca e venda de produtos e serviços que seguem princípios ecológicos. Datas e horários, entre outras informações, são divulgadas pelas redes sociais.

Com mais de 15 anos de estrada, Raissa Miah já espalhou seus traços e cores por todo o DF. Além de ter colorido as paredes do Mercado Sul, a artista foi uma das nove mulheres escolhidas pelo edital do FAC para grafitar a W3 Norte, com uma homenagem à atriz e diretora teatral Dulcina de Moraes.

Batalha

Expandir a cultura hip-hop e dar espaço a novos artistas é o objetivo do Festival Valor Periférico, uma iniciativa promovida com recursos do FAC que vai eleger os melhores cantores de rap do DF. A mostra competitiva ocorre no próximo sábado (22), na Praça Central do Paranoá, com apresentações de artistas selecionados por jurados. Os três melhores serão escolhidos por voto popular e receberão prêmios em dinheiro.

O festival promoveu uma série de oficinas gratuitas sobre vertentes do hip-hop ao longo de março e abril. “A ideia do projeto foi na linha de valorizar a cultura, trazendo lembrança de ações realizadas no passado”, afirma um dos organizadores, o produtor cultural Tiago Santos. “É uma forma de tentar trazer mais pessoas para o hip-hop e que conheçam mais pessoas do movimento, tendo contato com o DJ, o break, o grafite”, completa.

Aporte

As políticas públicas voltadas ao setor cultural trabalham para estimular a mistura de vertentes e preservar os movimentos que já se consagraram no Distrito Federal. “Em todas as nossas políticas públicas, buscamos promover a difusão cultural. No FAC, por meio do edital regionalizado, conseguimos atingir praticamente todas as regiões administrativas, sobretudo com políticas específicas, em que buscamos chegar às regiões com menor índice de desenvolvimento humano”, explica Montes.

Exemplo disso é o FAC Brasília Multicultural, lançado em abril do ano passado e dividido em duas etapas. Foram contemplados 475 projetos, com investimento total de R$ 63,3 milhões. O fomento atingiu três categorias na primeira etapa – Cultura de Todo Tipo, Meu Primeiro FAC e Jeito Carnavalesco – e duas na segunda – Cultura em Todo Canto e Cultura de Todo Jeito.

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