24/10/2019 às 08:00, atualizado em 24/10/2019 às 14:23

Nascidas com Brasília: as ocupações pioneiras

Com a construção da capital, os trabalhadores começaram a povoar o Planalto Central. Operários, engenheiros da Novacap, funcionários públicos e empresários formaram ocupações além do Plano Piloto. No início, foram os acampamentos que se tornaram cidades

Por Gizella Rodrigues, da Agência Brasília

Quando Brasília começou a ser construída, em outubro de 1956, o Planalto Central já era ocupado por dois núcleos urbanos que davam ares interioranos à região onde seria erguida a capital modernista do país. O mais antigo deles, Planaltina, já era uma cidade um século antes de a nova capital começar a ser desenhada. Fundada em 1933, a outra, Brazlândia, era um povoado da área rural do município goiano de Luziânia e tinha menos de mil moradores em 21 de abril de 1960.

Com o início das obras, no entanto, as pessoas começaram a povoar o quadrilátero destinado ao futuro Distrito Federal. Primeiro, foram os engenheiros da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) que chegaram quando Brasília ainda era um descampado de terra e mato para planejar os primeiros passos da construção. Depois, vieram os milhares de trabalhadores, comerciantes e empresários atraídos pelas oportunidades trazidas pela criação de uma cidade do zero, no meio do nada. Por último, chegaram os funcionários públicos transferidos do Rio de Janeiro.

A Candangolândia abrigava a sede da Novacap até 1959, quando a companhia foi transferida para o Plano Piloto e o local passou a ser conhecido como Velhacap. Foto: Arquivo Público do DF

Existe entre os pioneiros uma velha discussão sobre onde nasceu Brasília. O que muita gente não sabe é que, com o início das obras da capital, surgiram, ao mesmo tempo, dois núcleos urbanos com a mesma importância histórica: Núcleo Bandeirante e Candangolândia.

Como parte das obras de infraestrutura necessárias à construção de Brasília, foram abertas pela Novacap, em dezembro de 1956, as principais avenidas do Núcleo Bandeirante, chamado de Cidade Livre, previsto para funcionar como centro comercial e recreativo para as pessoas ligadas diretamente à construção de Brasília, pois as cidades de Planaltina, Luziânia e Brazlândia não ofereciam condições e infraestrutura suficientes para sustentação das obras da nova capital.

Já a Candangolândia surgiu do primeiro acampamento oficial promovido pela Novacap para administrar as obras de Brasília, em 1956. A cidade abrigava a sede da Companhia, residências das equipes técnicas e administrativas, posto de saúde, hospital, posto policial, dois restaurantes e uma escola para os filhos dos funcionários.

Ataíde Pereira das Neves e a Igreja São Geraldo: “Todas as crianças eram batizadas aqui”. Foto: Renato Araújo/Agência Brasília

“Era muita gente, sete companhias que faziam a barragem e todos os operários moravam nesse acampamento”, conta o pernambucano Ataíde Pereira das Neves, 79 anos, que veio para Brasília em 1957, aos 18 anos, para passear. “Um conhecido nosso tinha vindo para cá, foi buscar a esposa e nos contou coisas maravilhosas sobre Brasília. Eu quis conhecer a cidade que estava sendo construída no meio do nada”, diz.

Ataíde veio para passar um mês e ficou dez anos sem voltar para a terra natal. “Achei tanto emprego que acabei ficando. Meu pai era um homem de posses e sempre me questionava, em telegramas, se eu não ia voltar. Mas eu quis tentar. Naquela época pegavam as pessoas que queriam trabalhar pelo braço”, diz. “Trabalhei de cozinheiro para os americanos (da empresa Raymond Concrete Pile Company of the Americas), fui marteleteiro dentro da barragem (operava um equipamento que perfurava o solo e as rochas) e fui tratorista. Até para o Juscelino Kubitschek cozinhei, lá no Catetinho”, enumera o pioneiro.

Raimunda Lima Santos, 88 anos, chegou a Brasília em 1957, aos 25 anos. Foto: Renato Araújo/Agência Brasília

No local onde era o acampamento, ficaram de pé algumas estruturas, como a caixa d’água e a Igreja São Geraldo, construída em 1957 — a segunda igreja mais antiga do DF, tombada pelo pela Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal (Depha) em 1993. “Todas as crianças eram batizadas aqui. Era muito trabalho, mas, também, muita alegria. A vida aqui era muito boa”, diz Ataíde.

No coração da capital

A Vila Planalto decorre da instalação dos acampamentos de várias construtoras que ali se estabeleceram desde 1956 para executar as obras da nova capital. Serviam para abrigar tanto os técnicos envolvidos com as atividades de administração da Novacap quanto funcionários de obra das empreiteiras. Funcionários de diferentes construtoras se instalaram no local durante a execução de diferentes obras, como o Palácio da Alvorada, o Brasília Palace Hotel, além da construção do Eixo Monumental e da Praça dos Três Poderes.

Em 1958, um grande conjunto de 22 acampamentos se formava ao redor do conjunto das obras prioritárias para a cidade. Como os demais acampamentos de obras, a Vila Planalto estava destinada a ser removida logo ao final dos trabalhos, com a desmontagem das edificações de madeira.

Porém, devido à sua localização privilegiada e existência de boa infraestrutura no local, bem como por não haver, à época, nenhuma política habitacional capaz de oferecer melhores opções de moradia para a população, os moradores da Vila Planalto ali permaneceram, criando um núcleo habitacional pioneiro em pleno coração da Capital da República.

À beira do lago

A Vila Telebrasília surgiu em 1956 como acampamento de funcionários da construtora Camargo Corrêa e se localiza à beira do lago Paranoá, no final da Asa Sul. Semelhante a outros remanescentes de acampamentos pioneiros, já não há exemplos de edificações de madeira originais da época da construção.

A lei que regularizou a área e garantiu a permanência dos moradores no local, de 1991, no entanto, exigiu respeito aos padrões existentes de ocupação original com a manutenção da volumetria de edificações baixas e presença de vegetação.

Assim, buscou-se a preservação da rua como espaço de lazer e convívio cotidiano, semelhante ao contexto de pequenas cidades tradicionais. A Vila Telebrasília constitui-se, atualmente, como um local de habitação popular dentro do Conjunto Urbanístico de Brasília.

E mais um pouco de história…

Na próxima quinta-feira (31), o segundo capítulo da série Nascidas com Brasília conta a história da criação das primeiras cidades-satélites. A capital ainda não havia sido inaugurada, mas novos imigrantes desembarcavam no Planalto Central todos os dias. A construção de acampamentos de madeira não atendia à demanda e a Novacap decidiu criar cidades. Taguatinga foi a primeira delas. Confira.