27/02/2020 às 11:32, atualizado em 28/02/2020 às 12:19

Feira da Torre, um mosaico de cada cantinho do Brasil

Espaço aberto sob o mirante central da cidade traduz a identidade de Brasília ao abrigar a rica mistura das culturas do país

Por Gizella Rodrigues, da Agência Brasília

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Hebert Amorim, presidente da Federação das Associações de Artesãos do DF e Entorno: “Foi o JK que trouxe o primeiro artista plástico para expor e vender seus quadros aqui” | Foto: Renato Alves / Agência Brasília

História de Brasília

Não há registros oficiais sobre a data de inauguração da feira. O que se sabe é que sua história se confunde com a da Torre de TV, inaugurada em 1967. Os artesãos contam que a torre ainda estava em construção e artistas já começavam a expor seus produtos no local.

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Manuel Messias: “Antes mesmo da torre ser inaugurada, já tinha três artesãos expondo seus produtos aqui” | Foto: Renato Alves / Agência Brasília

A Torre de TV tinha apenas dois anos de idade e Manuel conta que ele decidiu montar uma barraca na feira que começava a surgir. “Antes mesmo da torre ser inaugurada, já tinha três artesãos expondo seus produtos aqui”, conta o ex-sapateiro que aprendeu novas técnicas para trabalhar o couro e hoje faz bolsas, carteiras e porta-moedas. Tudo em couro legítimo. “Nunca vi boi sintético”, brinca. “Eu faço minha ferramenta, minha tinta e crio todos os meus produtos. Você pode rodar essa feira toda que não acha nada copiado de outras barracas”, diz.

Manuel teve três filhos, e a primogênita Débora Garcia, 49 anos, aprendeu a trabalhar com couro com o pai. Aos oito anos já fazia sandálias rasteirinhas e bolsas infantis. Ela trabalhava com o pai até tirar a carteirinha de artesã e conquistar seu próprio box na feira da Torre de TV aos 13 anos.

“Eu observava muito. Aprendi a fazer a trança redonda no couro vendo meu pai ensinar um funcionário dele. Também aprendi a costurar na máquina industrial com ele e, principalmente, ele me ensinou os segredos para moldar bem as peças”, conta a artesã que mantém uma banca na Feira da Torre de TV há 36 anos, faz um artesanato mais moderno que o do pai e, diferentemente dele, trabalha com couro sintético. “Acho que 5% das minhas peças são com couro sintético. Uso esse material por causa dos veganos que não consomem couro”, explica.

Acarajé da Mainha

Um dos boxes que mais faz sucesso na praça de alimentação da Feira de Artesanato da Torre de TV, onde é possível encontrar pratos da cozinha regional do país inteiro, é o da Mainha, especializado em culinária baiana, como acarajé, vatapá e outras delícias. A “Baiana do Acarajé”, Mariana de Oliveira, foi uma das pioneiras da feira, teve uma barraca no local por 45 anos até 2011, quando faleceu aos 74 anos.

“Primeiro ela vendia quentinha para os trabalhadores da construção da Torre de TV, depois colocou seu tacho e começou a fazer acarajé”, conta Cleuza Pinheiro, a única filha biológica de Mainha que assumiu o negócio desde sua morte, a pedido da mãe. “Não cozinho tão bem quanto ela, mas estou tentando”, diz.

Foto: Arquivo pessoal

Cleuza conta que a mãe ficava embaixo de chuva e de sol na barraca, de onde tirou o sustento para criá-la, juntamente com os seis filhos adotivos. Todos eles bateram à porta da baiana em busca de ajuda e foram acolhidos, alimentados, instruídos e adotados como filhos. “Ela chamava o Torre de ‘mãe torre’, dizia que daqui tirou o dinheiro para sustentar eu e meus irmãos”, diz.  “Quando chovia lembro que todo mundo corria e ela colocava um saco na cabeça”, relata.

O restaurante fica lotado aos finais de semana. Os clientes fazem fila e esperam 30, 40 minutos pelo prato. E sem reclamar, garante Cleuza. “Foi um legado que minha mãe me deixou. Eu falei que não dava conta de cozinhar para tanta gente e mamãe disse que os fregueses me ajudariam”, recorda-se. Segundo ela, o estabelecimento já tem cinco gerações de frequentadores.

Como o casal Kátia de Paula, 45 anos, e Wellington dos Reis, 48 anos. Eles frequentam a barraca há 31 anos, desde quando eram namorados. Saíam de ônibus de Sobradinho, onde moram, para comer o acarajé de Mainha. “Lembro a primeira vez que eu vim. Ela me perguntou se eu queria quente ou frio. Eu pedi quente (acarajé é quente, não é?) e veio tão apimentado que mal consegui comer”, conta Wellington. “Da segunda vez eu contei e ela morreu de rir. Falei que queria gelado”, completa.

Hoje eles não precisam mais pegar ônibus, pois têm carro. Mas ainda batem ponto na feira da torre uma vez por mês. O casal tem quatro filhos, de 27, 22, 18 e 15 anos, que foram apresentados à culinária baiana desde pequenos e também se tornaram clientes assíduos. Os dois mais velhos também levam as namoradas. “Fomos para a Bahia e ficamos até frustrados. Não achamos nenhum acarajé tão gostoso”, diz Kátia.

Mudança de lugar

Mainha faleceu no mesmo ano em que os feirantes saíram das barracas montadas nos pés da Torre de TV para a estrutura fixa construída em uma área mais abaixo do monumento. No começo, os artesãos reclamaram da mudança e os frequentadores demoraram a se acostumar com a nova localização. “Muitos acharam que a feira tinha acabado. Vinham na torre e não desciam aqui”, explica Hebert Amorim, presidente da Faarte/DF.

As artesãs do projeto Polvo de Amor confeccionam pequenos polvos de crochê e os doam a crianças recém-nascidas prematuras | Foto: Renato Alves / Agência Brasília

O corpinho do polvo acalma bebês nas incubadoras. Os tentáculos dão macios e ideais para serem agarrados, o que evita que os bebês puxem fios e sondas. Os pequenos se sentem abraçados pelos bichinhos. O projeto existe desde 2017 e, desde então, já distribuiu 5 mil polvos em UTIs neonatais de hospitais públicos e particulares.