11/09/2011 às 03:00, atualizado em 12/05/2016 às 18:05

O desafio do equilíbrio das contas

Em entrevista à AGÊNCIA BRASÍLIA, secretário de Fazenda, Valdir Moysés Simão, comenta como tem melhorado a gestão das contas públicas e como o DF está se articulando financeiramente com os governos estaduais. Ele explica ainda mudanças no programa Nota Legal e a proposta para uma nova taxação do comércio eletrônico

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. Foto: Pedro Ventura

Victor Ribeiro, da Agência Brasília

“Estamos fazendo um trabalho muito forte de cobrança de impostos atrasados, monitorando os contribuintes e aperfeiçoando nossa legislação. O recorde observado nesses seis anos é resultado de todo o trabalho de melhoria da gestão tributária, de forma consi
Valdir Moysés Simão Secretário de Fazenda do DF

 O Distrito Federal registrou no mês de agosto a maior arrecadação tributária dos últimos seis anos, seguindo uma tendência nacional. O recorde foi alcançado sem a necessidade de aumentar a carga de impostos pagos pelos moradores do DF. Em entrevista à AGÊNCIA BRASÍLIA, o secretário de Fazenda, Valdir Moysés Simão, explica que não foi preciso fazer mágica, mas aprimorar a gestão pública e monitorar os grandes contribuintes, evitando a sonegação fiscal.
 

Servidor público federal desde 1987, o secretário já ocupou cargos de liderança nas áreas tributária e de gestão, como a presidência do INSS por dois períodos: de agosto de 2005 a março de 2007 e de dezembro de 2008 até dezembro de 2010. É ainda diretor-técnico da Associação das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf).
 

Simão conta como o GDF tem se articulado com os governos estaduais e municipais para tornar mais justas tanto a cobrança de tributos quanto a distribuição dos benefícios originários do recolhimento de impostos. O secretário explicou ainda as mudanças no programa Nota Legal e as propostas do DF para a partilha dos royalties do petróleo do pré-sal e a alteração na taxação das compras pela internet e por telefone.
 
 

O senhor é servidor público federal, no cargo de auditor fiscal, e já foi presidente do INSS. De que maneira sua experiência anterior influencia a gestão da Secretaria de Fazenda?

De maneira positiva. A gestão pública tem princípios muito próprios e específicos. Ao longo dos últimos anos ela se apropriou de técnicas características da iniciativa privada. Ou seja, ações pautadas num planejamento estratégico, com foco naquilo que é mais importante – no nosso caso, o cidadão; que faça mensuração de resultados e avaliação da equipe; que forme um time integrado e motivado, e que seja recompensado por seus bons resultados. Essas experiências certamente estão ajudando aqui na Secretaria de Fazenda, que não tinha até então um planejamento estratégico que fosse vivenciado no âmbito da própria secretaria. Hoje todas as ações da Secretaria de Fazenda estão bem pautadas e todos os gestores sabem o que esperamos deles e quais resultados pretendemos alcançar no curto prazo e no médio prazo também.
 

Existe alguma ação integrada com o governo federal?

Certamente. São várias, principalmente na área da administração tributária, na qual nós temos uma integração natural com todos os fiscos estaduais e municipais. Os temas que envolvem ICMS são discutidos pela Abrasf, na qual eu sou diretor técnico, e também pelo Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária]. No âmbito da União, fechamos uma parceria com a Receita Federal – um convênio que faltava à secretaria para que a gente possa trocar informações com a Receita, em especial com relação ao Cadastro de Pessoas Físicas e de Pessoas Jurídicas. Trocamos experiências do ponto de vista metodológico de controle, fiscalização e monitoramento de contribuintes. Temos uma aproximação muito forte também com a Secretaria do Tesouro Nacional, com a qual temos uma gestão compartilhada, que é a do Fundo Constitucional do Distrito Federal. E também uma relação com a área de financiamento externo, que depende sempre do aval do Ministério da Fazenda. Há uma ligação muito forte e nossa interlocução hoje com o governo federal é privilegiada.
 

Sobre essa interação com outras Unidades da Federação, o GDF tem se reunido com os governos estaduais para apresentar demandas coletivas ao governo federal. Há pouco tempo tivemos as cartas de Brasília e do Centro-Oeste. Como está essa articulação?

Tudo isso se originou de uma proposta da União de fazer a Reforma Tributária fatiada. As dimensões dessa reforma seriam a lei das Micro e Pequenas Empresas, que está em tramitação no Congresso Nacional, com a alteração das alíquotas, a desoneração tributária no âmbito federal e, a de maior impacto para os estados, a questão do ICMS. É notório que a guerra fiscal acaba tendo como resultado um prejuízo para as receitas de diversas unidades da federação que a praticam. Por outro lado, a segunda versão dessa guerra, a guerra dos portos, tem contribuído significativamente para o processo de desindustrialização do Brasil, na medida em que a desoneração do ICMS sobre as importações faz com que o produto internacional compita com o nacional, em condições desiguais. O governo federal tomou ano passado a iniciativa de colocar esse tema em discussão no Senado, que tem competência para legislar sobre a lei de ICMS interestadual, e depois colocou para os estados. É importante que, com o fim dessas políticas, os estados que sejam prejudicados possam ser temporariamente ressarcidos, e a União se comprometeu a apresentar uma proposta de um fundo de ressarcimento. O DF, desde o início, se posicionou favorável ao fim da guerra fiscal. Como o benefício relativo ao ICMS só pode ser concedido com a anuência de todos os estados e do Distrito Federal. Então, todos os benefícios praticados atualmente são ilegais, porque não há consenso. A partir de um novo cenário, sem a guerra fiscal, a decisão de uma empresa de se instalar em um estado ou em outro levará em consideração a existência de mercado consumidor, a infraestrutura existente, os canais de distribuição e o perfil da mão de obra. Esse desenho que está sendo feito prevê que a tributação do ICMS vai mudar, quase em sua totalidade, para o destino. Nesse aspecto, o Distrito Federal será beneficiado, porque o perfil da nossa economia é de consumidor – nós consumimos mais produtos aqui do que exportamos para outros estados. Então, isso obviamente trará resultados positivos para a nossa economia. Considerando a agenda comum entre todo o Centro-Oeste, as unidades federativas apresentaram à União propostas para a discussão desses assuntos importantes, sobre a Reforma Tributária, recursos para a melhoria das estruturas dos estados e também a questão dos royalties do petróleo do pré-sal, que nós entendemos que não é justo os royalties, já concedidos, ficarem somente com os estados beneficiados com essa exploração, de acordo com a regra atual. Queremos que isso seja dividido com todos os estados, porque isso é uma riqueza de todo o Brasil e não pode beneficiar somente alguns, em detrimento da maioria.
 

Vamos falar então sobre a importância do ICMS. Um recente balanço sobre a arrecadação tributária no DF mostra que esse é o imposto que mais contribui na arrecadação tributária. Dentro da constituição do ICMS, têm destaque os combustíveis, o comércio varejista, a comunicação, o comércio atacadista e a indústria – que tem metade da participação dos combustíveis. Essa arrecadação tão alta nos combustíveis se deve à quantidade de carros ou ao preço alto do setor?

O ICMS é o principal tributo que nós temos e corresponde a mais da metade da arrecadação tributária do GDF. Nós temos tributos também municipais, como o ISS e IPTU. Dentro do ICMS, temos alguns segmentos com maior impacto e o de combustíveis é o maior deles, com 20% da arrecadação. Esse é o perfil de todo o Brasil. O combustível é tributado com uma alíquota razoavelmente alta. No caso do DF, a tributação é de 25% e em alguns estados chega a 29%. Esse é um tributo arrecadado diretamente na fonte, que é muito difícil de sonegar. Daí a sua representatividade na nossa arrecadação. Isso é histórico e, ao mesmo tempo, preocupante, porque uma tributação concentrada causa impacto quando você mexe em algum dos elementos que compõem o preço dos combustíveis. Por exemplo, políticas que incentivam a redução da utilização de carros têm impacto imediato na arrecadação. Quase metade do ICMS é concentrada em veículos, combustíveis, energia elétrica e comunicação. São pouquíssimas empresas que representam quase metade da arrecadação de ICMS no Distrito Federal. Já a participação do comércio também é significativa, tanto do varejista quanto do atacadista. É pulverizada entre várias empresas que, juntas, representam 35% da nossa arrecadação, o que é uma característica desse nosso mercado – somos um pólo consumidor muito forte.
 

O senhor comentou que a tributação do ICMS na fonte dificulta a sonegação. Existe uma proposta desses fóruns entre governos estaduais de repartir a cobrança desse tributo entre a fonte e o destino, no caso do comércio eletrônico. Qual a importância dessa proposta para o Distrito Federal?

Nós somos um pólo de consumo muito forte e as pessoas, cada vez mais, recorrem às compras pela internet ou pelo telefone. O que o consumidor do DF não sabe é que quando ele compra uma geladeira, um fogão ou um televisor, por exemplo, em regra é com empresas de outros estados, que vão ficar com 100% desse tributo. Se o consumidor comprasse isso numa loja estabelecida no DF, parte dessa arrecadação ficaria aqui. Então, se eu compro uma empresa localizada em São Paulo, que cobra 18% de ICMS, isso incide no preço, mas fica em São Paulo. Se essa mercadoria tivesse vindo para uma loja de Brasília, chegaria com um crédito de ICMS de 7%, que foi pago em São Paulo, e pagaria 10% aqui, já que nossa cobrança é de 17% e parte dela já havia sido paga. Então, é isso que nós estamos perdendo, já que esse mercado cresce a uma taxa de 30% ao ano. O consumidor também não sabe que, quando faz compra fora, não se beneficia do Nota Legal, porque esse programa só se aplica nas compras realizadas no DF. Dezenove estados assinaram um protocolo, segundo o qual nós passaríamos a exigir o pagamento dessa diferença da alíquota sobre a mercadoria que entrar aqui.
 

Então não é só o comércio que sai prejudicado?

O consumidor também, porque pode ter obtido um preço menor, mas não irá se beneficiar do Nota Legal. O mercado de trabalho no Distrito Federal também é prejudicado. Como é um fenômeno do comércio, que constitui um caminho sem volta, nós precisamos ajustar a legislação tributária para que fique claro constitucionalmente que essa contribuição deve ser dividida entre os estados de origem e de destino.
 

Quando foi divulgado o superávit na arrecadação do governo foi um recorde em seis anos. A que se deve isso?

Estamos fazendo um trabalho muito forte de cobrança de impostos atrasados, monitorando os contribuintes e aperfeiçoando nossa legislação. O recorde observado nesses seis anos é resultado de todo o trabalho de melhoria da gestão tributária, de forma consistente, e não de medidas de aumento da tributação.
 

E qual o impacto desse recorde nas contas do governo? Ainda é preciso conter os gastos?

O Orçamento de 2011 tem uma peculiaridade: na sua aprovação, no fim do ano passado, a Câmara Legislativa teve por entendimento cancelar parte do que estava registrado como renúncia fiscal, em torno de R$ 1 bilhão, e prevê isso como receita. Ou seja, é uma receita que não será realizada. Então, em que pese todo o esforço da Secretaria de Fazenda na melhoria da gestão, nós não vamos alcançar a arrecadação prevista na Lei Orçamentária deste ano, que representa mais de 30% de aumento em relação a 2010. Então, nós fizemos um contingenciamento e continuamos com a necessidade de gerenciar os gastos. Primeiro porque é uma medida adequada, do ponto de vista da gestão, eliminar aquilo que pode ser eliminado. Não estou falando de gastos que se convertem diretamente em serviços para a população, mas de custeio da máquina. Todas as secretarias estão fazendo esse trabalho. Segundo porque a gente tem limites de gastos em algumas áreas, como a folha de pessoal, que nós precisamos observar. Então esse ano nós não estamos numa situação financeira confortável. É uma situação muito justa e que exige bastante atenção até o mês de dezembro. Nossa expectativa é que, para o ano de 2012, a gente tenha mais recursos para investimentos e esses investimentos possam ser planejados adequadamente.
 

Quais são esses limites de gastos?

Nós estamos falando principalmente na Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece que os gastos com pessoal não podem ultrapassar o limite prudencial de 46,55% da receita corrente líquida. Nós estamos muito próximos a esse limite e, ultrapassada essa marca, no próximo quadrimestre – isso é medido a cada quadrimestre – nós podemos ficar impedidos de fazer contratações, concursos públicos, aumento de despesa com pessoal. Engessa muito a administração. Então, nosso trabalho é para ficar abaixo desse limite até o fim do ano.
 

Então, grande parte gasto é com custeio e folha de pagamento?

A folha de pagamento é um dos itens de despesa de maior representatividade: 62% de toda a despesa até julho de 2011 se refere a pessoal e 34%, a despesas correntes [despesas de custeio da máquina pública]. O restante são investimentos e serviços da dívida, com juros, amortização
 

Existe alguma solução para isso?

Temos duas soluções. De um lado, melhorar a receita – e nós estamos trabalhando para isso – e, do outro lado, gerenciar melhor os gastos com pessoal. Os programas de reajuste e contratação, por exemplo, têm de ser seletivos, feitos de uma forma muito planejada, porque nós não temos folga nesse aspecto. Ao mesmo tempo, ainda há carência de pessoal em algumas áreas de governo. Esse é um trabalho que a Secretaria de Administração Pública vem fazendo: analisar todas as áreas e carreiras, para saber quais precisam ser melhor estruturadas.
 

O Plano Plurianual já prevê algumas medidas nessa área?

Certamente. O Plano Plurianual já faz a previsão de estruturação de pessoal para os próximos quatro anos.
 

Indo para outro assunto, a Secretaria de Fazenda planeja algumas mudanças no Programa Nota Legal. Quais seriam?

Nós tivemos aqui na secretaria a necessidade de reorganizar toda a área de tecnologia e essa reorganização ainda não terminou. Era uma área totalmente terceirizada, tanto a execução, a manutenção, quanto a gestão da área de TI [tecnologia da informação] estavam nas mãos de terceiros. Nós assumimos a gestão da área de tecnologia, com servidores da Secretaria de Fazenda. Estamos reorganizando nosso datacenter e melhorando nossa estrutura para ter maior capacidade de processamento, por exemplo, num trabalho que deve ser concluído até o fim do ano. O que nós queremos é dar mais celeridade ao processamento das informações do Nota Legal e ter um ambiente mais amigável com o contribuinte, para que ele possa acompanhar com maior precisão o crédito que ele ganha com cada compra realizada. Queremos que, para o começo do ano que vem todos esses problemas estejam resolvidos e a apropriação de créditos para o pagamento do IPTU e do IPVA de 2012 se dê de forma bastante tranquila. É importante o contribuinte saber que ele só pode usar esse crédito se não estiver em atraso com o IPTU e o IPVA. E também a lei recentemente aprovada para garantir desconto no pagamento à vista para esses dois tributos só poderá ser utilizada se o contribuinte estiver em dia. Então, quem está em atraso deve colocar seus tributos em dia.
 

Para encerrar, depois de uma situação difícil como o senhor encontrou, que marca espera deixar ao fim da sua gestão?

A profissionalização. A Secretaria de Fazenda, como órgão central de governo, tem duas missões extremamente relevantes: garantir os recursos para que o governo possa honrar seus compromissos com a população – e para isso precisamos ter uma administração tributária eficiente, profissional, com foco contínuo na melhoria de seus processos de trabalho e de seus resultados – e desempenhar o papel de tutela, para que toda a gestão financeira do Governo do Distrito Federal se dê de forma transparente e responsável. É isso o que eu espero deixar como marca aqui na nossa gestão na Secretaria de Fazenda.