19/11/2021 às 20:36, atualizado em 19/11/2021 às 20:41

Consciência negra se aprende na escola

Aulas, debates, histórias e ações plantam esperança e educação antirracista no Distrito Federal

Por Agência Brasília* I Edição: Débora Cronemberger

Maria Helena Rodrigues, 6 anos, sendo produzida para o ensaio como Moana

O Projeto Olhares é uma dessas ações. Ele teve início a partir da observação do corpo pedagógico da Escola Classe 4 do Paranoá. Os professores perceberam que alguns alunos negros se sentiam inferiores e relatavam não gostar de sua aparência, além de sentirem na pele o preconceito por parte de colegas.

A iniciativa surgiu para ser um contraponto a essa situação, por meio de um ensaio fotográfico que fortalecesse a autoestima das crianças, destacando as belezas e singularidades de cada raça.

O projeto está na terceira edição em 2021. Neste ano, foram 200 crianças fotografadas para uma releitura de clássicos da literatura europeia e de filmes infantis famosos.

“A gente viu resultado positivo até na aprendizagem das crianças após o projeto, porque se sentiram mais incluídas, ficaram mais participativas nas aulas e os colegas também acolheram superbem a ideia. O ensaio é uma ação entre as várias que temos feito ao longo do ano, trabalhando aspectos como a inteligência emocional e mostrando a importância das diferentes raças”, destaca a Denise dos Santos, vice-diretora da EC 4 do Paranoá.

“Eu vejo hoje, como professora, que essas crianças precisam se sentir lindas e representadas. Na minha época de estudante, nós não tínhamos essas referências negras e isso é importante”Bruna Cristina Bispo, professora da Escola Classe 4 do Paranoáesquerda

Maria Helena Rodrigues, 6 anos, estava vestida como a guerreira Moana. “Eu amei a maquiagem, as fotos e todo esse dia. Me sinto linda e corajosa. O que gosto na Moana é de ser pretinha como ela”, conta.

Bruna Cristina Bispo, professora da Escola Classe 4, também foi uma das idealizadoras do Projeto Olhares junto com a equipe. “Eu mesma passei por um processo de mudança que começou a partir da situação de uma aluna que não sentia bem. Aquilo mexeu muito comigo! Eu vejo hoje, como professora, que essas crianças precisam se sentir lindas e representadas. Na minha época de estudante, nós não tínhamos essas referências negras e isso é importante”, conta.

A docente fez questão de participar do ensaio com uma de suas alunas, Ana Clara, de 6 anos, que estava vestida de princesa Bela. Ela conta que continuou se sentindo linda também depois de tirar a roupa da personagem.

“Meu sentimento é de alegria. Estou realizada em ser fotografada e me ver de princesa”, afirma outra estudante, Natasha Carvalho, 8 anos.

“É necessário instrumentalizar nossas crianças e adolescentes sobre a importância da representatividade, só assim teremos cidadãos fortalecidos em suas identidades, capazes de cobrar mais políticas públicas de respeito e inclusão”Juvenal Araújo, subsecretário de Direitos Humanos e Igualdade Racial da Sejus direita

As conversas nos bastidores das fotos demonstram que a escola tem conseguido fortalecer a autoestima das crianças e disseminar a importância do combate ao racismo entre os estudantes.

Esta já é a segunda vez que o fotógrafo Mário Miranda participa do projeto Olhares. “É importante ver essa evolução dos estudantes. Futuramente eles podem ver essas fotos e enxergar a sua identidade refletida de alguma forma. Fazer isso no mês de novembro é importante para lembrar que o Dia da Consciência Negra é uma data que não pode ser esquecida”, destaca o fotógrafo, que desenvolve o trabalho voluntariamente.

O subsecretário de Direitos Humanos e Igualdade Racial da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), Juvenal Araújo, avalia o Projeto Olhares como um importante instrumento de valorização da autoestima para alunos negros e negras da rede de ensino do Distrito Federal. “É necessário instrumentalizar nossas crianças e adolescentes sobre a importância da representatividade, só assim teremos, em um futuro bem próximo, cidadãos fortalecidos em suas identidades, capazes de cobrar mais políticas públicas de respeito e inclusão”, ressalta.

Leitura para conscientização

Uma manhã descontraída de autógrafos e bate-papo com a escritora do livro Preta de Greve e as Sete Reivindicações encantou as crianças da Escola Classe 3 do Gama, no dia 16 de novembro. A autora da obra, Zenilda Vilarins Cardozo, que também é professora, fez questão de ir ao local para conversar com os estudantes no mês da Consciência Negra.

O livro conta a história de Pérola Preta, a menina negra que se sente linda, feliz e representada nos ambientes cotidianos de sua convivência, até que vai para a escola e começa a enfrentar diversos desafios. Diante desse novo contexto, ela tem que tomar atitudes contra o preconceito. A professora escolheu a literatura para mostrar as possibilidades de combater o racismo de forma lúdica.

“As crianças são verdadeiras aliadas e demonstram empatia com causas como essa. Apaixonaram-se pela Preta e tornaram-se suas amigas. Fizeram inclusive os caminhos da Preta buscando descobrir se a história poderia ser real, procurando a representatividade nos espaços que frequentavam e identificando situações racistas no cotidiano. Então, o projeto ultrapassou os muros da escola, o que é muito gratificante”, frisa Zenilda Vilarins Cardozo.

A ideia surgiu quando a docente atuava na Escola Classe 22 do Gama e desenvolvia ações voltadas para a temática de estudo, discussões e ações sobre a violência contra a mulher.

Valorização cultura afro-brasileira

A Secretaria de Educação do DF já segue o ensino da história e das culturas africanas e afro-brasileiras como parte do currículo em movimento, ampliando o tema para discussão da cidadania, direitos humanos e diversidade ao longo de todo o ano. No mês de novembro, as escolas intensificam as ações sobre o tema.

O Centro Educacional Dona América Guimarães, de Planaltina, preparou ações de espaços de debates, reflexões e práticas de valorização da herança cultural afro-brasileira. A unidade desenvolveu com os estudantes ações como confecção de telas, que reproduzem padrões geométricos e coloridos da característica da cultura africana; debates e bate-papos de conversas sobre racismo e as formas de combatê-lo; roda de capoeira; banda de AfroReggae; música e dança.

A educação antirracista também é tema de ações para estudantes do ensino médio organizadas pela Coordenação Regional de Taguatinga por meio do projeto Cidade Cor.

O lançamento da ação ocorreu em outubro, com show da cantora Ellen Oléria e bate-papo com os jovens. Seguiu em novembro, com apresentações musicais e debates sobre o tema.

A programação do projeto engloba 34 escolas de Taguatinga que adotaram a proposta. Entre as principais ações do Cidade Cor estão o seminário de educação antirracista; a aquisição de livros com a temática para as bibliotecas; a entrega de um caderno de apoio para práticas pedagógicas; a produção de painéis com personalidades negras; o plantio de baobás; bate papos; além de concurso de seleção das práticas pedagógicas desenvolvidas pelas unidades escolares, que resultará na produção de um e-book.

O dia 20 de novembro foi instituído como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. A data faz referência à morte de Zumbi, em 1695. Guerreiro, líder do Quilombo dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco –, Zumbi dos Palmares foi combatente da escravidão na época do Brasil colônia.

*Com informações das Secretarias de Educação e de Justiça